Foco




Tenho pressa – que ironia, de servir a pauta “foco, atenção, concentração” para pano de fundo pra arte. Este é o tema: aprender rapidamente a desacelerar. Nos tempos atuais vivemos preso num mundo que avança rápido. Um mundo viciado em velocidade contra o relógio. Parece que tudo leva muito tempo. E nós apertamos o pé cada vez mais para alcançar o tempo “a tempo”. Antes líamos; agora: aceleramos a leitura. E o que fazemos para melhorar? Ora; aceleramos mais. Antes discávamos ao telefone. Eu chegava a trazer o disco de volta, impaciente em aguardar ele voltar. Agora teclamos e às vezes, criamos “atalhos”. Até a caminhada é acelerada. Tudo tem que ser rápido. Não temos tempo para saudar o Sol.
Estamos sendo prejudicados por essa pressa?
A resposta é sim; mas a marinada a que estamos sujeitos não nos deixa perceber a sua destruição em quais aspectos que se queira valorar da vida cotidiana. Liguem o alerta. Correndo na vida, estamos deixando de vive-la. E o mais flagrante: você descobre a doença dessa pressa no despertar do esgotamento do corpo. Ouvir e estar com seu par é algo eventual e fumaçado.
Me lembro de contar histórias para os pequenos no final do dia. Hoje, simplesmente, não há tempo. Os pais estão pulando linhas ou páginas para chegar rápido ao final. Há até leitores que pulam capítulos inteiros por estarem impacientes com a narrativa e “perdendo tempo”.  Acontece a “briga” com o autor que pensou muito no ritmo dos acontecimentos do conteúdo.
E o que poderia ser um momento muito íntimo, torna-se uma guerra de vontades se digladiando. Agora a moda é acelerar o tempo de pegar no sono. Estamos, todos, a buscar enganar o tempo e roubar um pouquinho desta velocidade, acelerando. Uau!  O que estamos a fazer conosco e com o outro.
O que nos fez chegar até aqui. E chegamos muito rápido. Seria possível desacelerar sem perder o “time” desejável? Ao levantarmos uma visão das coisas presenciamos uma urbanização acelerada, assim como o consumismo, como a tecnologia, os relacionamentos. 
Como pensamos o tempo? Já “pararam” pra se perguntarem?
Será que o tempo está sempre se vendo a si mesmo sem pressa? Ou seja, seria cíclico?
Se renovando, se refazendo, se rejuvenescendo, se refrescando em círculos cada vez maiores e mais lentos?
Ou seria progressivo e reto; pra frente sempre. Num conceito de linearidade. Sem se voltar nunca. Esvaindo e se desfazendo numa finitude rigorosa. “Tempo é dinheiro”, lembra? Aí, ao recordar dessa assertiva, nós levantamos a manga e aceleramos: fazer mais em menor tempo. A cada momento estamos largando e chegando no mesmo instante. É uma mesma linha onde a largada é a própria chegada. O mais ocupado e o mais rápido é sempre o melhor. Será?
Mas não se enganem; existe um grupo desacelerando. Fazendo o impensável. Sendo oposição ao senso comum, o dito “verdadeiro”. Mas estão vivendo melhor. É o “movimento lento”. Uma espécie de realidade meditativa. Cada ação é pensada nela mesma. Ao comer, ao trabalhar, ao andar, ao estar com o outro – íntimo ou não. Um prazer onde o tempo que lhe perpassa, perde a significância por não ser danoso; muito pelo contrário. É desfrutar de estar vivo e vivendo na plenitude. A arte pode ser este momento, onde um livro ou uma pintura o faz mergulhar por inteiro no personagem ou nas cores, nas linhas, nos traços, nas intenções.  
Lembram do movimento italiano que espalhou pelo mundo e já tem centenas de milhares de adeptos? O “slow food” – cultivo e consumo do próprio alimento. Na mesma Itália surgiu outro movimento: o de cidades lentas; que já está se espalhando pela Europa – as pessoas se conectarem, se sentarem num banco de praça, cheirar o verde, plantar árvores que também alimentem. Encorajar a relação.
É algo que o resultado visto é muito maior que a soma de suas partes. Chega a ser filosófico quando alguém, ou grupo de “alguéns” e até cidades inteiras se declaram serem legítimas junto ao tempo. Por não deixarem se arrastar pela pressa. Até a cura está se voltando para métodos mais suaves, holísticos e lentos. Meditação, massagem, relaxamento, oração, coisas e alimentos naturais. Até o sexo está cronometrado. Levar seu parceiro ao êxtase o mais rápido possível. E não podia deixar de ser: a Italia lançou o “slow sex”.
Até a carga horária tem diminuído. Nos países nórdicos isso aconteceu sem deixar de se tornarem menos competitivos. As pessoas precisarem se desligarem para que o cérebro se recarregue e deslize pra dentro de algo criativo; como a arte proporciona. É tipo o modo criativo de pensamento.
As crianças hoje têm mais dever de casa, mais aulas de reforço, mais aulas extracurriculares. E a cada geração, isto acelera mais ainda. É uma esteira que não para rolar e rolarem. 
Na Escócia as escolas baniram o dever de casa para alunos abaixo de nove anos de idade. Os testes comprovaram uma aumento nas notas em 20%. O pensamento criativo se emudece quanto às disciplinas curriculares exigentes. São pessoas maquinizadas. Preparadas para fazer a engrenagem não parar. Pessoas sem imaginação. É preciso saborear o tempo e não hostiliza-lo. É o “slow down” criado por Harvard.
Mas por que é tão difícil e até humanamente impossível desacelerar?
A velocidade tem um “que” de metafisico; ela nos ajuda a nos desconectar de nós mesmo. Nos isola de algo mais profundo e de questões maiores. Evita nos perguntar: sou feliz? Estou bem?
Ir devagar pode significar algo ruim, tipo “você é um preguiçoso”. 
Não se envergonhe. Mude de marcha. Encontre a sua tartaruga. Não dê ouvidos à carruagem espalhafatosa do tempo chegando e te exigindo embarcar rápido. Não passe correndo pela sua própria vida. Seja mais saudável, mais produtivo sem demandar velocidade. Aprofunde-se nos relacionamentos. Descubra e veja o outro e as coisas. Aproxime-se.
Mova-se dentro de um ritmo onde o tic tac é seu. Nas listas de tarefas exclua a pressa. Observe mais. 
Quero torcer que seja de agora em diante o melhor leitor de livros que possa ser. E quem o elegerá será nada mais, nada menos, que você mesmo.
Slow não é um palavrão.

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