Fui um leitor precoce; hoje, escritor. Diferente de muitos, omito, quase
que sempre, descrever identidades físicas e diálogos sobre o tempo e coisas adoráveis
entre meus personagens.
Por ter vivido muito exposto ao sol, nao falo muito sobre ele, o sol e
suas edículas. E por ter "visitado" muitas árvores frutíferas
alheias, não falo muito sobre frutas.
Quando adulto, me frustrava pelo gosto da cerveja, até que descobri os
sabores gourmet, aos quais degustei com prazer, e dos quais praticamente também
me afastei.
Tudo o que foi dito mostra o quanto somos impressionáveis, cambiantes e
vulneráveis.
Quando leitor, li muito sobre o outro; outro país, outro modo de vida,
outra língua, outra visão de mundo ... e por aí segue.
Livros africanos? Asiáticos? Leste-europeus? Difíceis de nomear pela dificuldade
de encontrá-los. Não os li o suficiente.
O que as pessoas nao percebem é que indivíduos de cor, dotados de cabelos
distintos ou oriundos de países de origem "inusitada ou exótica",
também podem existir na literatura.
Sugiro que comecem a escrever sobre coisas reconhecidas e das quais se
aproximam do seu saber e entendimento, ou até mesmo, de sua intelectualidade
intuitiva.
O que importa é que livros - estrangeiros ou locais, abrem a sua mente
para mundos inimagináveis; até então, e que têm como não intencionalidade, a
existência de qualquer pessoa na literatura.
E o que faz de melhor o mundo literário em ter uma variada e diversificada
produção literária? Fácil: salvar a nós todos de uma única visão histórica.
Às vezes quando nos apresentam a pessoa que o faz nos desenha de uma
única perspectiva. E ninguém é assim: totalmente lateral.
Quantas vezes nos surpreendemos - ao estar com o outro, que este outro
detém uma outra cultura, e esta ter o domínio de coisas que pensávamos - para
este outro, jamais existir.
Quando morei no norte da África, um beduíno adulto me abordou próximo das
pirâmides de Giza; quando respondi ao seu inglês limpo num árabe macarrônico,
ele ficou decepcionado. Talvez ele tenha assumido que eu não saberia
comunicar-me no seu idioma.
Sentimos pena e somos paternalistas. Vi muito isto nos turistas
brasileiros do sul e sudeste quando visitam o norte e nordeste. As
"únicas" histórias são verdadeiras catástrofes.
Nas únicas histórias não há espaço ou possibilidade de haver igualdade
entre desiguais ou possibilidade de conexão humana de mesmo nível.
Ser brasileiro é travar guerras sem sentido por sermos incapazes de falar
por si e por estar à espera do estrangeiro em nos salvar. Assim é a narrativa
da "única" história.
Para alguns brasileiros, assim também vale para regiões distantes da sua,
lhes parecem, que esses nativos, são jegues sem casas, ou que, de cujas
cabeças, inexistem boca e olhos.
Preciso admirar tanta imaginação; mas traz pelo menos - ao restante dos
"não sabidos", a existência de uma história; embora,
decepcionantemente "única".
Ao ver alguns brasileiros a desfilar por universidades e mídias locados
em solos estrangeiros a falar negativamente do Brasil, impõe ao ouvinte - ser o
Brasil, um território de trevas, de pessoas "meio diabo, meio
filhos-da-puta".
Ouço, quando pouco, alguém comentar sobre a inautenticidade de minhas
obras. Estou disposto a falar de meus livros, de suas falhas e de meus
personagens que não morrem de fome ou dirigem carros novos.
No Brasil, ser liberal, conservador ou de direita, é sinal de fascista ou
nazista. E que aqueles de esquerda que "fogem", é porque são
perseguidos pelos primeiros.
Deveriam ter vergonha avaliarem o Brasil por estas artimanhas estéticas.
A história parece ser definida por quem as contas; e do modo de como e quando são
contadas.
O escritor tem essa capacidade de poder. O poder de tornar a história
definitiva, por ela. A maneira mais simples de desapropriar alguém, lugar ou
povo de sua verdade, é contar a "sua" história.
Comecemos a história do atual governo pelo dito "golpe", e
teremos algo totalmente diferente. Até hoje a pecha de homofônico e misógino
para alguns, praticamente nao pode ser desfeita facilmente.
Comecemos a história do novo governo pela prisão por corrupção de uma
liderança até então dita a alma mais pura do mundo, e assim culpemos a todos
aqueles que giram em seu entorno como cúmplices ou dignos de pena pelas suas ignorâncias.
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